“O oposto da conversão é aversão. O outro lado da metanóia é
a paranóia. A paranóia é normalmente compreendida em termos psicológicos.É
caracterizada por medo, suspeita e fuga da realidade. A paranóia resulta
comumente em elaboradas alucinações e auto-ilusão.
No contexto bíblico a paranóia implica mais do que em desequilíbrio emocional ou mental. Ela diz respeito a uma atitude de ser, uma postura do coração. A paranóia espiritual é uma fuga de Deus e do nosso verdadeiro eu. É uma tentativa de escapar da responsabilidade pessoal. É a tendência de evitar o custo do discipulado e buscar uma rota de fuga das exigências do evangelho. A paranóia de espírito é uma tentativa de negar a realidade de Jesus de tal modo que racionalizamos nosso comportamento e escolhemos nosso próprio caminho.” (p. 99).
No contexto bíblico a paranóia implica mais do que em desequilíbrio emocional ou mental. Ela diz respeito a uma atitude de ser, uma postura do coração. A paranóia espiritual é uma fuga de Deus e do nosso verdadeiro eu. É uma tentativa de escapar da responsabilidade pessoal. É a tendência de evitar o custo do discipulado e buscar uma rota de fuga das exigências do evangelho. A paranóia de espírito é uma tentativa de negar a realidade de Jesus de tal modo que racionalizamos nosso comportamento e escolhemos nosso próprio caminho.” (p. 99).
De repente foi como se um peça de um quebra-cabeças
gigantesco caísse do céu, encaixando-se de forma mágica e maravilhosa dando um sentido
imediato a tudo, possibilitando explicação ao, até então, inexplicável; calor e
cor ao, até então, imperceptível; razão e esperança ao já descartado. De uma
hora para outra na minha mente o contexto patogênico da igreja local, tão
caracterizado por doenças da alma, da mente e do coração, bem como aquelas que
se alojam nos relacionamentos e tanto os prejudicam, migrando mesmo para a
realidade eclesiástica mais ampla e, partir daí, para o mundo; num contraponto
maligno à sua missão de ser sal da terra e luz do mundo: a sociedade, que
deveria ser impactada pela comunidade cristã, acaba sendo por ela contaminada.
A constatação dessa realidade triste e pesada acerca do que
a igreja de Jesus se tornou, sem desconsiderar-lhe a humanidade, e as mazelas a
ela inerentes, sempre está presente nas preocupações, orações e produção
intelectual de todos os que estão envolvidos na tarefa de cuidar do rebanho do
Senhor. A questão é entender de forma satisfatória como esse quadro se formou e
se mantém. Heagle oferece a resposta numa só palavra: paranóia.
De alguma forma o contato das pessoas com o culto, a
mensagem, a influência e a convivência na igreja evangélica, muita vez ao invés
de ensejar e propor metanoia, acaba induzindo à paranóia. Assim, no lugar de
mudar a mente como experiência de arrependimento e conversão, as pessoas têm
sua mente confundida com tanta forma predominando sobre o conteúdo, tanto
movimento tomando o lugar da reflexão sadia e tanto sentimentalismo
sobreponde-se à fé genuína e íntegra. As pessoas são laçadas pela paranóia, e
aí fogem do Deus verdadeiro, delas mesmas, do discipulado e da comunhão
saudável com um corpo redimido.
Metanóia produz quebrantamento, integridade e verdade;
paranóia gera sentimentalismo, falta de caráter e dúvida. Metanóia desdobra-se
em fidelidade, humildade e disciplina; paranóia milita na linha da
displicência, orgulho e falsidade. Dá para sentir como é difícil e o quanto é
dura a realidade paranóica da igreja evangélica contemporânea? E o mais grave é
que toda paranóia se dá debaixo da aureola da religiosidade e de uma pseudo
vida cristã. Tudo sob o signo do viver evangélico e da cidadania eclesiástica
que, de certa forma, alivia a consciência e alimenta a fantasia do que já gosta
de fugir da de si mesmo e da realidade à sua volta. Como disse Heagle,
racionalizam seu pensamento e escolhe seu próprio caminho.
Brennan Menning diz é que “cada um de nós vive uma tensão
entre a metanóia e a paranóia”, e conclui que “nenhum de nós está imune à
sedução de um discipulado falsificado”. É muito importante esta direção, pois
nos aproxima ainda mais de uma realidade da qual não temos como fugir, ainda
que o desejemos. Refiro-me à necessidade da igreja resgatar a integridade de
sua mensagem, a autenticidade do seu culto, a responsabilidade de seu
discipulado e a luminosidade do seu testemunho. É por aqui que caminho a partir
daqui.
Uma mensagem íntegra
A Bíblia é o resultado do processo de inspiração. A temos
como Palavra de Deus em linguagem humana, um livro divino-humano. Deus revelou
e inspirou o registro de sua revelação e usou homens para o executarem. O
homem, sua natureza, cultura e experiência somam-se à direção divina resultando
no que temos hoje como Bíblia. Querer desprover a Bíblia de sua humanidade é
torná-la mística; despi-la da divindade é desejá-la apenas humana. Em qualquer
caso significa reduzi-la.
A interpretação da Bíblia é uma tarefa também divino-humana.
Deus ilumina e o homem investiga. Boa parte dos embates teológicos ao longo dos
séculos está ligada à problemática da interpretação. Uma boa interpretação da
Bíblia não pode prescindir de uma análise de seu contexto, de sua história, da
cultura que a gerou a teologia que ela enseja, bem como da conectividade a que
ela se lança com a realidade fora do livro. Todo esse labor humano, no entanto,
não significa o desprezo para a tarefa do Espírito Santo de iluminar o homem
para uma sadia compreensão da Bíblia.
A pregação da Palavra de Deus também é uma tarefa
divino-humana. Como já se disse “é uma verdade através de uma personalidade”.
Deus unge e usa o pregador que, por sua vez prepara de forma didática,
coerente, persuasiva e profunda, o seu sermão. O pregador não pode nem
apegar-se ao aspecto divino de forma a não prepara o sermão, nem grudar-se ao
lado humano de modo a não se submeter à direção divina.
Uma mensagem íntegra é, portanto, aquela na qual o pregador,
valendo-se de uma visão sadia da Bíblia e de uma interpretação correta de seu
texto, a elabora e entrega de forma a aplicar suas verdades atemporais às mais
diversas situações concretas da vida das pessoas. É rica em seu conteúdo, atual
em sua forma e pertinente em sua aplicação. Quando a mensagem vem ao encontro
de anseios reais e de encontro a problemas verdadeiros, por ser fiel à Palavra
de Deus e embasada numa hermenêutica fiel, sempre vai sugerir e apontar, como
alternativa única para quem a recebe, a metanóia. Além disso, tal mensagem
também combate e desconstroi a paranóia.
Um culto autêntico
Para ser culto cristão precisa ser autêntica a reunião, não
importando a quantidade de pessoas presentes. Autêntico qualifica o que é
fidedigno, verdadeiro. Assim, um culto cristão autêntico deve caracterizar-se
por sua fidelidade a Deus e à Sua Palavra. No meu modo de entender, um culto
assim precisa exibir algumas realidades que passo a considerar.
Nota-se nos cultos de hoje um foco muito direcionado para o
homem. O que o homem gosta, como ele se sente bem, como agradá-lo etc. Esta
atenção muito focada no homem fere a autenticidade do culto. Num culto cristão
o foco precisa estar em Deus; tudo é para Ele, para o louvor da Sua glória,
para Sua honra. Ele é quem deve ser agradado. O centro do culto cristão, como
foi o do culto judaico, precisa a pessoa de Deus. “Ouve, Israel, o Senhor,
nosso Deus, é o único Senhor. Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu
coração, de toda a tua alma e de toda a tua força.” (Deut. 6:5).
A autenticidade do culto também é maculada quando o foco
migra do conteúdo para a forma do culto. Aí o ritmo das músicas passa a ser
mais importante que a mensagem; o estilo e a liturgia se sobrepõem à clareza e
à unção. Palmas, coreografias, arte e os mais diversos tipos de instrumentos
acabam roubando a cena e ofuscando a mensagem que se quer transmitir.
O culto unilateral, onde dirigentes, pregadores e músicos se
apresentam para a congregação, acaba por comprometer sua autenticidade também.
É mais um show do que um culto; o propósito é arrancar aplausos da congregação,
que aprende a se comportar como platéia. Um culto autêntico caracteriza-se pela
interatividade responsável, onde pregadores, dirigentes e músicos intercambiam
experiências com a congregação que assume papel ativo e de sujeito na adoração.
Além de tudo isso, há um componente muito importante que
ajuda a assegurar a autenticidade do culto: conectividade. O culto cristão não
pode ser uma experiência alienante ou alienadora; precisa antes estar conectado
com a realidade dos adoradores. O culto precisa ajudar as pessoas a enfrentarem
melhor sua realidade. Tanto o sermão quanto as músicas; tanto a linguagem
quanto os formatos; necessitam ser aplicáveis às mais diversas situações
concretas na vida dos adoradores.
A ausência desses elementos no culto milita a favor da
paranóia, gera confusão, descamba no emocionalismo, encosta na agitação motora
e acaba por enganar e prejudicar a muitos, obstaculando o seu acesso a uma
experiência de genuína metanóia. Dessa forma a transformação das pessoas pela
renovação da mente é adiada; e elas prosseguem crendo-se novas criaturas.
Sendo assim, o culto cristão há de propugnar-se pela
centralidade de Deus, pelo foco no conteúdo, pela ênfase na interatividade e
pelo esforço na direção da conectividade. Estes ingredientes tendem a
proporcionar uma experiência de culto autêntica e, por isso mesmo, relevante.
Um discipulado responsável
Ao lado de uma mensagem íntegra e de um culto autêntico, a
igreja precisa ocupar-se de um discipulado responsável. O processo de
crescimento espiritual e de amadurecimento cristão precisa desenvolver-se de
maneira bem planejada e bem coordenada. Quando uma pessoa aceita o Evangelho em
sua vida e se propõe a seguir o caminho da fé, precisa ser mentoreada de forma
séria, consistente e comprometida.
O alvo é que a pessoa torne-se como Cristo. Ela precisa
desenvolver agora um caráter e uma conduta coerentes com o Evangelho que acabou
de aceitar. A partir daí, a igreja precisa apresentar um programa educacional
que supra as suas necessidades com serva de Deus vivendo num mundo
entenebrecido. Trata-se do discipulado de Dietrich Bonhoeffer (1906-1945), do
Cristianismo básico de John Stott (1921), da essência da vida cristã ensinada
por Hans Küng (1928)e do crente, sal da terra e luz do mundo, sonhado por Jesus
de Nazaré.
O discipulado responsável é aquele que segue o roteiro do
Sermão do Monte. Ao pregar este sermão, Jesus estava explicando o que
significava ser um cristão. Assim, a cartilha básica do discipulado é o sermão
da montanha. As questões de caráter ético, moral, relacional, social e
religioso, precisam ser consideradas junto ao novo crente à luz das Escrituras,
a partir de uma hermenêutica que não se furta à contextualização.
Ao aceitar o desafio de pertencer à comunidade da fé,
fazendo parte do corpo vivo de Cristo, a pessoa precisa conhecer a Palavra de
Deus, suas doutrinas e seus princípios de vida, bem como suas implicações para
sua vida aqui e agora. A Bíblia precisa deixar de ser aquele livro difícil e
distante e passar a ser o manual de vida; precisa sair da condição de cartilha
teológica, para se tornar um guia para a vida prática. Ou seja, discipular vai
significando ajudar o novo crente a aplicar a Bíblia às diversas situações
concretas de sua vida, sejam elas como forem.
Quando o aspecto educacional é esquecido ou ignorado por
parte da igreja, o campo fica livre para a formação de mentes guiadas pela
paranóia. Aí, ao invés da Bíblia ser buscada para guiar e apontar o caminho,
passa a ser procurada, e torcida, para subsidiar condutas que jamais seriam
aprovadas pelo Senhor. A paranóia empurra o recém chegado à igreja para longe
do discipulado e vai moldando-o ao engodo e à hipocrisia, numa reedição do
farisaísmo do primeiro século.
Porém, a tarefa de fazer discípulos (Mateus 28:19),
prossegue sendo definidora dos rumos da igreja da metanóia. Ela não está
interessada apenas em “fazer” novas criaturas, mas em “fazer” discípulos. O
alvo é ajudar pessoas a pensarem, sentirem e agirem como Jesus. Sem um
discipulado responsável, perseverante e contundente, não é possível formar para
o Pai uma família cheia de filhos semelhantes a Jesus.
Um testemunho luminoso
Aqui temos a derradeira arma contra a paranóia. Uma
evidência indiscutível da metanóia é a luminosidade do testemunho. Quando a
mente muda como resultado do verdadeiro arrependimento (Romanos 12:2), a
conduta retrata de forma imediata e profunda esta mudança. A luz começa a
brilhar e o contágio é inevitável.
Paranóia não gera martyria, metanóia sim. O testemunho de
vida é fruto do arrependimento verdadeiro, pois todos querem saber qual foi a
força que motivou tamanha transformação, quem conseguiu motivar a pessoa,
outrora presa em vícios, delitos e pecados, lutar contra tais cadeias e vencer?
Esta inquietação generalizada, que captura o crente de forma
arrebatadora e, ao mesmo tempo, atrai o não crente de forma inescapável; esse
desejo de ver outros no mesmo caminho e, por outro lado, de querer andar no
caminho da bênção, por onde o crente anda, é despertado pela luminosidade
inofuscante da martyria.
Observe-se, porém, não tratar-se de representação ou de
máscara. Mas sim de uma vida brilhante, cheia de vigor e de alegria. Uma vida
que vale a pena ser vivida e que desperta em todos quantos com ela se
defrontam, na experiência de um cristão, o desejo de sorvê-la.
Dessa forma, o crescimento da igreja se dá mais pelos
relacionamentos do que pelos ajuntamentos; mais pela influência do que pela
afluência; mais pelo impacto do advento do que dos eventos; mais pelo
discipulado de que pelo culto ao dissimulado. Como diz a canção: “Se a vida de
Cristo fluir em você, ser;á bem diferente o seu jeito de viver.”
O ‘crescimento’ sem relacionamentos, sem influência e longe
do advento, é promovido pela paranóia e é o que produz mais paranóia ainda. É
mais como tumor que crescer para o mal e não para a saúde. Há muito de
paranóia, em nossos dias, ditando os caminhos da estruturação, definição de
valores e de missão para nossas igrejas. Precisamos estar de olhos abertos para
isso.
O crescimento no contexto da metanóia segue na linha dos
frutos que marcam a vida dos eleitos. É crescimento natural, verdadeiro e
profícuo. Surge do testemunho luminoso da igreja, percorre o caminho da
autenticidade e se desdobra numa produtividade extremamente benéfica para o
Reino de Deus.
Aterrisando
Nossa luta precisa ser por uma igreja saudável, por uma
comunidade cheia de saúde e de vida. Assim, lutamos a favor da metanóia, da
mudança de mente e de rumo, da nova vida que só Jesus pode dar. Nossa luta é,
por conseguinte, fortemente contra qualquer tipo de paranóia, de confusão e de
fuga.
Ser cristão implica no novo nascimento. As coisa velhas
precisam passar e tudo precisa se fazer novo na vida (II Coríntios 5: 17). A
mente precisa ter sua estrutura e seu conteúdo mudados de direção. A metanóia
precisa ser uma realidade na vida das pessoas.
Nessa luta, precisamos estar atentos à distorções da
Palavra, à esquisitices doutrinárias e aos desequilíbrios de conduta que
revelam fuga do discipulado e construções autônomas de caminhos alternativos
(Provérbios 14:12) que não são de vida, mas de morte.
Nesta luta, precisamos dar as mãos na construção de uma
comunhão verdadeira e fazer um pacto a favor da nossa unidade, no poder do
Espírito Santo.
Nessa luta precisamos, por fim, zelar para que, ao entrar em
contato conosco, igreja do Deus vivo, cada pessoa perceba-se desafiada à
metanóia. Pela mensagem, pelo culto, pela proposta de discipulado e pelo
testemunho da nossa vida, que cada um seja estimulado a abraçar o mais
fascinante projeto de vida: a vida cristã.
Resolvemos assim, os dilemas da metanóia e da paranóia, mas
ainda temos o da utopia…